quarta-feira, 23 de abril de 2014

de frígida à prostituta. de traída à traidora.
segue batendo, o coração de puta
não sei bem em que ritmo

você me pariu
me deu as trevas

as lembranças degradês de um amor de infância
um acalento inesperado num domingo na cadeira de balanço
você estava usando uma camisa do snoopy
e depois me ajudou a construir os brinquedos pro bazar

é o mais bonito que temos... e você nunca vai saber
você nunca vai saber o que eu sinto por você

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Eu sinto muito. Pelo dia a dia. Por cada emoção que vejo rolar nas faces ao meu redor, cada gota que não sei distinguir se é lágrima ou só calor. Mas nem sempre foi assim. Houve dias em que eu preferia o inferno, a estar naquele lugar. O relógio simplesmente emperrava e chegava a páscoa e depois o natal, antes de dar meio-dia. Nada ali me dizia respeito. Eu só sentia um terrível calor, e a mais plena apatia. Meus olhos são os mesmos, mas acho que não a maneira como enxergo o mundo. Fui cativada. No portão, alguns me dizem, às sete: “Vai começar a luta, não é, moça?” Sim. Mais um dia começa. Tenho um desejo nos olhos, um livro em uma das mãos, e na outra, eu carrego corações. Alguns aguardam medicamentos em filas. Outros se amontoam no balcão, implorando por uma “ficha”. Por uma palavra. “Uma informação, por favor!” Eles me pedem por esperança. E, enquanto estou ali, sou a mãe de uma menininha febril, desesperada porque o médico de emergência não atende crianças. “Só no mini pronto socorro, senhora. É... Só lá...” Eu sou encarregada de dar más notícias. Recebo pra isso. Pra informar que não tem dentista. Que o ginecologista não vem. “As vagas pra o tratamento de hipertensão acabaram de se esgotar, meu senhor.” Nesse momento, eu sou um idoso rindo da iminência da própria morte. Às vezes eu também estou gritando. Eles se enfurecem comigo: “Eu vou chamar a imprensa!” E eu imploro, de volta: “Faça isso, pelo amor de Deus!” De repente, o olhar do (im)paciente está atordoado. Eu estou do lado dele, embora não pareça. A poucos centímetros dele, mesmo que não padeça. Talvez não fisicamente. Mas na alma, sei que estamos todos febris. Todos temos fome de beleza. Temos sede de ser amados. “Onde eu consigo um copo aqui?” Do que mais precisamos é um sorriso, o primeiro do dia. Pra então respirar devagar o ar que o ventilador leva pra lá, e pra cá, mesclando nossos odores. Nossas dores. Nossas crianças que já nascem abortadas, porque só teremos vagas para o pré-natal na última sexta do mês, mas eu já estou parindo, agora, no chão, no meio de toda essa gente de olhos esbugalhados, de outros mil olhos fechados, alguns tem gestos abruptos; alguns, braços cruzados. Somos duzentas pessoas enfurnadas numa casa quente. Chama-se João Paulo II. É um posto de saúde: A casa de milhares de moradores do Jacintinho. E do Benedito Bentes. E do Vergel do Lago, da Ponta Grossa, do Barro Duro. Somos de muitas partes. Mas, a partir das duas da manhã, alguns de nós já estamos ali. Estamos competindo pelas primeiras trinta vagas de um neurologista. De um oftalmologista. Do que quer que seja. Competimos uns com os outros, jogando no mesmo time. Queremos ser atendidos, passar na frente, falamos ao mesmo tempo, não temos educação: Nós temos urgência. “Eu não posso te ajudar, mas confesso que isso me dói.” Então me abençoam. Eu sou abençoada todo dia, e em dias como hoje, eu sou abençoada várias e várias vezes, e é incrível como podem me abençoar a todo instante, a cada minuto, sem que eu tenha feito não muito mais que sentir muito. “Deus te abençoe!”, me dizem. Não tenho reação. Mas nesse momento, eu não duvido de Deus. Porque sinto sua benção. E vejo sua forma: A forma de uma boca sem dentes, mas que sorri. A forma de uma criança com o rosto deformado por uma queimadura de alto grau, mas que sonha tranquila, nos braços da mãe. A forma da própria mãe, que está na fila há várias horas, mas não se esquece de pedir pra Deus me abençoar. Transmitimos doenças, sofrimentos e desabafos. Corremos de um lado para o outro. Somos muitos e estamos desesperados. A corrida é contra o tempo. Contra a falta de recursos. Contra a desumanidade. A corrida é contra a própria descrença. Eu corro demais. Eu olho para todos os lados, eu tento ser mais de cem, pra quem sabe, abençoá-los também. O tempo passou rápido hoje.  É que eu corri tanto que fiquei rouca. Ensinei o percurso até a sala oito várias vezes. E senti fome e calor. E fiquei louca. Então deu meio-dia. E eu senti muito.