quarta-feira, 10 de abril de 2013


Eu sempre tentei agradar minha mãe e o auge da frustração foi quando ela tentou impedir que eu fosse a única coisa que eu realmente sabia ser: Homossexual. As pessoas costumam dizer que sou bi, mas eu não me intitulo assim, quero ser levada a sério. A verdade é que homens me atraem numa proporção quase igual às mulheres, mas com elas eu me sinto mais segura. Minha mãe me levou a vários psicólogos. Ela jura que minha orientação sexual está diretamente ligada ao fato de ter sido estuprada aos 11 anos. Isso não é verdade. Eu já sabia que gostava de meninas antes disso e, sinceramente, não ligo se ela acredita ou não. Mesmo assim, não vou mais a psicólogo algum. Não faz sentido falar sobre aquele episódio horrível a essa altura. Sabe? Eu demorei anos pra me livrar do transtorno de pânico causado pelo trauma e, não obstante, os psicólogos acham que falar sobre o assunto vai me fazer bem a longo prazo. Foda-se o longo prazo. Não me sinto mais infeliz ou azarada que ninguém por levar a vida que levo. Uma em cada três mulheres serão violadas durante sua vida. Todos nós nos drogamos de algum modo. E todos nós vamos morrer também. São três da manhã e eu estou com frio. Sinto falta de quando a Fernanda dormia comigo. A essa hora, estaríamos lá em casa, cheirando cocaína e fazendo amor. Mas isso já faz três meses. O tempo cronológico passa rápido e agora eu estou na casa de um semi desconhecido, sem dinheiro pra comprar o pico e Petrúcio está com fome. Petrúcio é o meu cachorro. O dono da casa se chama Julio. É um cara legal, me ajudou pra caramba. Sinto-me mal por não ter como pagar essa dívida. Ele tem dinheiro e a geladeira é convidativa, mas prefiro passar fome. Não saí de casa pra depender de homem. Muito menos de um semi desconhecido. É lamentável iniciar uma amizade nessas circunstâncias. Fico constrangida o tempo inteiro, como se nós dois tivéssemos interesses velados. Faço o possível pra ele não achar que quero seduzi-lo numa tentativa de permanecer mais tempo aqui. Ele insiste em dizer que está mais feliz desde que eu cheguei. É complicado, porque eu realmente não tenho pra onde ir, mas receio que ele ache que pode ter mais de mim... Essa situação não vai se sustentar por muito tempo. Quero me mandar daqui o mais rápido, só não sei como. Já pensei em virar puta, mas nunca em voltar pra casa. Foi só quando começou a chover na madrugada do meu aniversário e eu achei que era álcool o que caía do céu, que percebi do que minha abstinência é capaz. Nessa noite brilhante, eu e Julio fizemos sexo quase selvagem. Nós nunca tínhamos tido qualquer tipo de contato íntimo, mas eu estava inconsequente e agressiva demais pra me importar com esse tipo de coisa. A casa não demorou muito a cair. Acordei e vi uma rosa e um bilhete em cima da cama. “Feliz aniversário!” Me vesti e saí do quarto, torcendo pra não esbarrar com ele na sala, mas isso aconteceu. Agradeci com um breve sorriso e fui embora. Ele abriu a porta atrás de mim, perguntando se a noite de ontem não tinha significado nada. Fechei os olhos mas não pude evitar por muito tempo o encontro dos olhares. O meu, atordoado. O dele, irredutível. Exigia uma resposta. Foi aí que tudo desandou. Minha reação foi dizer que era melhor eu sumir. A dele, dizer que devíamos ficar juntos. E que estava gostando de mim. Admirei sua coragem. Definitivamente, não a possuía. Repliquei que não achava que fizesse muito sentido iniciar um relacionamento com uma pessoa casando-se com ela. Ele riu-se e, com desdém, disse que o resto da minha vida também não fazia. Exatamente como eu previa, uma noite de intimidade transformou nossa relação irreparavelmente. Eu chamei o elevador. Ele entrou em casa, claramente impugnado. A salvação pra esse dia de merda é que era o meu aniversário e, por isso, nada mais justo do que ser presentada com maconha, álcool, doces e tudo que eu tivesse direito. E não demorou muito pro Ian me ligar. Foi bom chegar ao circo e ver meus amigos. Abstrair. Estava com tanta vontade de fumar que quase não notei a Fernanda de vestidinho se equilibrando no monociclo. Ninguém me deu os parabéns e eu esperei que a bendita surpresa começasse logo. Fiquei na minha e, por sorte, não demoraram muito com a brincadeirinha. Bolo de maconha e cerveja liberada! Às vezes, nós parecíamos uma família. 

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