quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Às vezes eu gostaria de ser o narrador-observador da nossa história, pra então entender o quanto estou envolvida com ela e quanto de mim está do lado de fora. Não necessariamente por escolha, tampouco por não amar, mas por não conhecer o resultado da soma de nós dois, por não saber fazer o cálculo. Tão inexato... Tão humano.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012


O fim do mundo perfeito. Do nosso. Apoteótico como eu tanto disse merecermos. Gemidos, sussurros, janelas quebradas. “Ninguém sabe o que de fato aconteceu. As pessoas apenas especulam. Está vendo?” Não estou vendo. Eu não vejo nada. Você me enterrou. Viva! É a ausência da morte que vem me assassinar. Eu estou viva. Por amor, me tire daqui ou me mate de vez.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


"Então seguirei meu coração até o fim, pra saber se é amor. Magoarei mesmo assim, mesmo sem querer, pra saber se é amor. Eu estarei mais feliz, mesmo morrendo de dor."
   Querida Ana,
O que você está fazendo ao meio-dia? Comendo coxinha e correndo pra pegar o metrô? Será que hoje você vai encontrar um rosto diferente, no meio da multidão? Será que no caminho pra casa vai reparar no pôr-do-sol? É dia de lua cheia? Hoje eu dancei. Eu conheci uma bailarina. Por alguns instantes, nem senti sua falta. Em outros, enquanto dançava, desejava que você visse. Não é engraçado? Eu dancei. E conheci alguém. Eu precisava compartilhar. Não precisa entortar a cara, da moça eu nada sei. Tudo que sei sobre ela é que desliza. Será que também tenta esquecer um grande amor? Ela come coxinha ao meio-dia? Presta atenção no pôr-do-sol? Essa tarde eu me senti num daqueles filmes franceses que nós costumávamos ver pra relaxar depois das provas de anatomia. Saí de casa desejando não muito mais do que me matricular nas aulas de violão clássico pra fazer as pazes com minha consciência que me lembra toda noite o quanto minha vida está desmoronando a olhos vistos, e conheci uma bailarina que me convidou pra roda. E eu entrei na contradança sem saber como se dança, eu não sei dançar. Preciso ter uma conversa com Deus, pedir que ele pare de gracinha, isso lá é hora de aprender a dançar, se eu nem mesmo consigo voltar a frequentar as aulas de anatomia por causa do maldito prefixo grego? Hein, Deus? Hein, Ana? Por que não me conta de você? Daquela parte do dia que te fez sorrir e em seguida te lembrou que não estamos juntos e que não é tão fácil não poder dividir nem mesmo a coxinha, quem dirá um sorriso. Fala do futuro, se quiser. Sem planos? Sem segundo interessante do dia, nem saudade de dividir a coxinha? Por favor, não pode ser verdade, ninguém vive assim sem sentir. Fala da barba do professor de teoria prática, então. Parece mais interessante, agora que você está solteira? Ou menos interessante, porque era tudo pra me provocar? Juro que preferia saber a verdade a imaginar que nada mudou na sua vida, que a barba do professor não está nem um centímetro mais nem menos atraente do que antes, que os planos para o futuro são exatamente iguais, excluindo somente a parte do casamento em 2014 e da lua de mel em Lisboa. Ana, eu menti. Pode continuar telefonando pra minha mãe e fingindo que vocês são grandes amigas. Eu não me importo. Pode dormir no quarto da minha irmã nos dias em que ficar muito tarde pra voltar pra casa. A rua da sua casa é muito escura à noite. Pode bater na porta do meu quarto só pra perguntar a hora, celulares descarregam sim. E pode ir embora se quiser. Vai. Mas não sem voltar, ainda que seja sob um pretexto qualquer, que seja só por um segundo, que seja sem me olhar nos olhos. E... Ana, por favor, não demora.

P.S: A classe de violão clássico fica ao lado da sala de dança.

sábado, 1 de dezembro de 2012


Como quem não quer nada, puxou papo comigo uma tristeza bem grande, dessas com ar de saudade e uma certa indignação. Receosa do estrago, tratei de ser forte e ignorá-la: Fiz uma lista das músicas mais dançantes que pude lembrar e fui estudar, fingindo não ouvir a dor tagarela. Música após música e aquela disputa foi me roubando as forças. Gastei todas as energias na besteira de brigar com a dor quando então desliguei o som. Agora, ela gritava. Sem o subterfúgio da música, fechei os olhos o máximo que pude, aceitando não poder detê-la. Por que a gente tenta tirar o caráter próprio da dor, transformando-a em cansaço e mau humor? O que há de vergonhoso em estar triste? Eu estou triste. Eu amo você. Difícil, porém simples. Não vou trocar minha dor por um entorpecente qualquer. Não vou substituir seus olhos por quaisquer outros. Não posso viver fugindo, porque se esbarro comigo numa esquina, vou querer me desculpar. Vou olhar a tristeza nos olhos. Talvez os dela, e somente os dela, consigam ser mais azuis que os seus.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012


Suas últimas palavras... Não importa quantas fossem ditas, seriam sempre as mesmas. É até engraçado. Você não é capaz de me pedir pra ir embora. Você prefere, ausente, me obrigar.

domingo, 11 de novembro de 2012

Se não vou, tenho que lidar com o fato de não ter ido. Se vou, lido com o fato de ter ido. Se olho nos seus olhos, era melhor ter me defendido. Se não olho, perdi a chance. Se sumo, você já havia me esquecido. Se permaneço, cansa parecer invisível. Meu erro é sempre amar. Eu confundo tudo. Eu me desperdiço.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012


Vi você ir, observei seus passos, seu jeito de olhar pra trás enquanto caminhava. A cada passo, menor era a esperança de que mudasse de ideia, como da outra vez. E ao dobrar a esquina, quem chegava do outro lado era... Você! Mas deixava de ser, na brevidade de um piscar. Tenho aprendido muito. Essa noite aprendi a chorar sem querer saber o porquê, a encostar meu rosto do lado do seu só pra ficar pertinho e a responder sarcasmos com beijos. Aprendi a me desarmar e só então me dei conta de que nunca havia precisado de armas. Toda a sua grosseria não passa de uma mentira, mais uma de suas mentiras, que, como as outras, confessam-se no momento em que seus olhos me olham. Seus olhos não se cansam de me olhar. Por quê? Não sei. Você disse que iria sentir minha falta para sempre com a propriedade de quem conhece o próprio destino, mas do mesmo modo que talvez você tenha certeza da legitimidade do fim, eu tenho certeza que você me ama. E isso ficou claro no primeiro olhar, no segundo, e ainda mais naquele terceiro, aquele que você escondeu no travesseiro, enquanto batia o pé no colchão, indignado por não poder me beijar. Como você evitou. E eu evitei também. Eu, que podia ter te beijado no primeiro segundo sem arrependimentos, quis ver até onde você era forte pra vencer a si. E vi. Nunca foi sonho, é tudo verdade. Ela só reflete, à noite, nos lençóis.

"Where are you now? Cause I’m kissing you…"



Mal deu tempo de abrir os olhos e o dia já era saudade. Como é doloroso lembrar-me de ti de súbito com a intensidade pérfida dos sonhos. Ser forçada por mim mesma a viver o que não existe e em seguida quase acreditar que existiu. Olhei pro celular, traindo a mim e a verdade, dividida entre realidade e delírio e unindo estes dois vocábulos como quem transfunde duas dimensões. Se eu te disser agora que essa noite você esteve em cima de mim, sussurrando as melhores maldades, sentindo a vibração da minha voz como lâmina afiada, aguda, penetrante de tão perto, dizendo palavras tão desconexas quanto verdadeiras, se eu te contar como era comovente tua expressão espontânea ao se dar conta da quantidade desmedida de amor que podia haver entre nós dois, no meio de nós, sem que ao menos existisse meio… Eu mentirei, amor. Não eras tu ali. Mas tinha o teu rosto. Teu corpo, voz e gosto. E tinha teu nome. Eu o chamava e era amada. E agora, hein, que ouvi uma promessa e não sei a quem devo cobrá-la? Não tens culpa, eu sei, não eras tu, mas parecia-se tanto contigo…

quarta-feira, 15 de agosto de 2012


Hoje não. Estamos cansados, não vamos à luta. Sob efeito da droga ou da tristeza, você chora, eu choro, nos vemos morrer e não ouvimos qualquer ruído que indique que não é isso o que queremos. Por fim, perdemos os motivos, vencemos a urgência e o curioso é que na nossa circunstância, como nessa frase, perder e vencer dão no mesmo. E é hora de ir embora do templo que tão bem conhece as confissões de cada lágrima, a exclamação de cada frase que nunca terminamos, a força dos anseios surpreendidos pela luz sorrateira que só precisava de um movimento pra nos conduzir bruscamente ao fundo dos nossos olhos. Aqui nos adoramos e aqui morremos, sem distinguir corpo e alma. Então vai. Eu fico. Observo sua ausência devolver pouco a pouco a frieza do chão. De repente, sem precisar me mexer, estou em um lugar sombrio, esquecida entre as piores ideias, cultuando o vazio. E é irônico lembrar que enquanto você esteve aqui, desejamos apenas ser esquecidos para sempre. "Para sempre"... Você, que me chamou de forte, sabe quantas vezes bebi deste analgésico? Mas hoje não. Hoje eu preciso que alguém sinta minha falta. Hoje eu espero que alguém me encontre deitada aqui.

domingo, 5 de agosto de 2012


Casualidade. Só hoje, a dois dias do meu aniversário de dezenove anos, tive um encontro com esse deus. Por acaso nascemos. Por acaso nos apaixonamos. Por acaso perdemos quem amamos. E interpretamos tão equivocadamente o ciclo natural da vida. As coisas não são feitas para durarem. “Até pra morrer você tem que existir”, repeti, há alguns dias. Mas pra existir, há que morrer também. Vida e morte caminham de mãos dadas o tempo inteiro. O amor é vão, mas a dor é também. E amor e dor caminham de mãos dadas o tempo inteiro. Você me traiu... Mas eu te traí também. E a gente segue. Juntos, mas não de mãos dadas, até que o acaso nos separe.

E a vida segue.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Remanso horizontal


Caminhava exausta pela mata vazia. Meus olhos, as bolas de gude diluídas, que era como Dé os chamava quando eu chorava, pareciam agora meramente gris. Talvez por causa do céu que ameaçava chover forte e, quem sabe, — pensava comigo — lavar essa indignação impregnada em cada centímetro de mim antes que eu chegasse ao fim da trilha.
Parei, ofegante, apoiando as mãos nos joelhos e imaginando quantos mil metros mais teria que caminhar até chegar ao Cabo da Estrela. Olhei para trás. O fim da floresta se perdia, entre tantos quilômetros e árvores. Mas não iria desistir. “Não agora.” Recuperei o fôlego e retomei a caminhada, em outro ritmo, desacelerado.
A Serra, vista dessa forma cautelosa, tinha ares obscuros. Parecia assimétrica, confusa, quase sombria. Era bonita, certamente, mas uma vaga apreensão começava a me inquietar na velocidade dos meus passos, que cada vez menos queriam estar ali. Não eram os ruídos. Não era sede, nem fome, nem sabia o que era. E sua voz, cadê? Agora, nem que eu quisesse, Dé viria me atormentar sussurrando-me ao ouvido qualquer coisa inconveniente. Até nisso era perverso.
Mas estava acabando. A agonia tinha seus minutos contados e, mesmo que seu tamanho fosse diretamente proporcional ao da trilha, a Serra da Pena não era infinita. Ainda que parecesse. Parava, respirava, prosseguia. Sempre este ciclo, oscilando entre angústia e resignação.
Ironicamente, eram 16h20min quando decidi olhar as horas, e meu celular havia recuperado o sinal. Quatro e vinte, quatro e vinte, quatro e vinte. "Google it", ele disse. Não foi necessário. A tal prolixidade demorou a se extinguir. Imaginei por um instante o que aconteceria caso resolvesse telefoná-lo naquele minuto e bradar ofegante que o amava, apesar de tudo. Recobrando a consciência do quão ordinário seria isso, desejei simplesmente que alguma espécie de máquina do tempo fizesse minha vida retroceder dois meses e dezessete dias, e tive raiva de mim logo após.
Finalmente, a floresta chegava ao fim. Já conseguia avistar, entre a folhagem, o azul distante do oceano, e a satisfação estampada em meus olhos agora azuis — talvez pela redução das árvores que dificultavam a passagem de luz — me fizera correr em direção ao Quenio.
A trilha terminava sem sinal de chuva. Ao contrário, o sol se exibia impiedoso e competente. Gotas grossas de suor escorriam pelo meu corpo enquanto eu deitava no chão causticante e me perguntava como o céu mudara de repente. “Talvez tenha estado assim o tempo todo. As nuvens não passaram de mais uma de minhas sensações tolas”, pensei.
Após o longo tempo em que permaneci jogada naquele chão fervente, o sol começou a ensaiar sua despedida. 17h20min. Uma hora de pensamentos lúgubres. Livres. Tirei os sapatos e andei em direção à beira do penhasco. Enquanto observava a rebeldia do mar contra as rochas, me preparei pra reviver a mesma cena dos tantos sonhos repetidos: O eterno vôo rápido, o impacto mortal da queda. O corpo jogado ao fundo, emergindo lentamente à superfície. Ferido, desfigurado, reduzido ao seu valor real. Se ainda restassem sinais de movimento, não importaria — não se distinguiria morte de vida. Seria tudo perfeitamente inevitável.
Abri os olhos, de volta a realidade, e contemplei o belo remanso horizontal. Comecei a sentir o velho vento frio dentro da alma... Serena, calma, sabia ser o momento.
Porém, a ponto de seguir meu fado, vi alguém. Era um homem e vinha em minha direção. Não sabia o que sua presença significava. Não desejava saber. Independente do que fosse, não trazia consigo minha absolvição e disso eu tive certeza porque, por mais piadista que fosse Deus, seu humor era negro e imoral.
Havia chuva. Com a ajuda das bandeiras esquecidas do São João, ela ornamentava a tarde com harmonia, tornando-a ainda mais apática e pardacenta — mesmo que, antes da sua chegada, me parecesse improvável que algo fosse capaz desse feito. Havia, pois, murmúrios. A habitual insatisfação, aqui, ali e ao redor da piscina vazia. É sempre assim, as pessoas não gostam da chuva. Mas, nessa tarde, ela me pareceu amigável. Talvez por sua transparência, seus ares de melancolia, sua vinda repentina e irreversível. Chuva é que nem tristeza: Não se pode pará-la ou mandá-la embora. Há que esperar. A água não traz respostas, mas também não provoca dúvidas. Não causa esperança, tampouco medo. Não conta histórias e nem carrega consigo nossa descrença enquanto flui para o ralo da piscina. Apenas cai. Simplesmente, e com a resignação de quem bem conhece as linhas da própria mão. E nem isso a torna submissa: Chuva não pede permissão para molhar. Eis a nossa diferença. Nessa tarde, eu começava a me fundir com ela. Minha presença era agora quase silenciosa e minha pele adquirira sua palescência quase translúcida. O azul dos olhos tornara-se cinza, e a água que caía deles não fazia diferença para mim. Mas para os outros. Mesmo sem molhar ninguém. Não é justo. O Sol é quem deveria pedir permissão para brilhar, ou ao menos explicar o motivo de sua aparição. É ele quem me faz adoecer, quer me deixar de cama, exausta de tanto fugir. Olhá-lo diretamente, por outro lado, pode cegar. Eu nunca olhava. Eu corria. E chorava. E chovia. 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Passione

23:00
Você me ligou pra que eu contasse a novela. A gente fala que o fim é sempre igual, mas gosta de ver. Pelo menos é o que dizem por aí. É ainda mais patético do que soa. Eu não sei quem foi mais subestimado. Se eu, porque ouvi uma desculpa do tipo ou você, porque sabia que eu não iria acreditar, sabia que seria capaz de inventar qualquer coisa mais convincente e ignorou essas duas verdades. Ignoramos, os dois. No final, é claro que eu contei. Você disse que aí o céu chorava. Me calei. Porque você só se torna metafórico quando já não há nada pra dizer. Porque me parece inútil explicar o vazio. Pouco tempo depois, o céu começou a chorar aqui. Eu dormi.

05:15
Triste é essa manhã, eu não sabia que o céu gostava tanto da gente. Chove desesperadamente. Ontem você me segurou forte e me disse suave: não tente medir forças comigo. Sabe, essa noite eu tive um sonho, estávamos numa piscina e você repetia isso, exatamente com a mesma força, exatamente com o mesmo tom... "Você não pode medir forças comigo". Eu não podia. Você me afogava. "Por que não? Não é seu último desejo, afinal?" Me diga, aquela piscina era o seu abraço? Me afogar pra sempre não é tão bom quanto sempre imaginei. Sinto falta do seu cheiro que me roubou o ar. Chove mais, chove menos. Tanto faz, você não vem mesmo.

8:00
Lavo o rosto como quem lava impressões de um passado presente. Que acaba de se tornar passado passado. Ainda que isso pareça mera repetição de palavras. Tanto faz, você não vem mesmo.